Last Updated on: 24th outubro 2023, 03:48 pm
Um antigo casal dos tempos de colégio se reencontra reclusos em uma sala de estar contaminada por uma chuva vespertina. Ela, agora casada com um engenheiro, tenta se acostumar com o estilo de vida de dona de casa em uma cidade sem muitas atrações. Ele, pintor solteiro em ascensão profissional, conseguiu viajar e conhecer o mundo sem abrir mão do que o satisfaz. A conversa mantida pelos ex-namorados depois de tantos anos e mudanças poderia indicar, acima de tudo, um saldo de realização do homem perante um arrependimento da mulher. Entretanto, o que se revela é uma mútua melancolia – expressa particularmente por cada um – com a impossibilidade da concretização de tal amor e dos planos de outrora.
A reclusão espaço-temporal do filme – que se passa em uma casa da qual só vemos um cômodo, situada em uma cidade cujo nome não é mencionado e sem precisão de data – reforça esse desalento que, embora seja evidente pela frustração afetiva do casal, é constantemente enfrentado por uma força sedutora, um desejo de aproximação nostálgica exposta principalmente pela presença dos atores em cena. Há um peso material das palavras, vocalizadas em diferentes timbres e tons, especialmente quando essas se dão por insuficientes em esconder as intenções e fantasias, tornando-se instrumento para acobertar o que realmente se sente. É de grande riqueza no curta A Chuva nos Telhados Antigos (Rafael Conde, 2006) como esse embate entre o distanciamento e uma união idealizada é expresso por cada personagem da dupla: da movimentação em quadro – quando dois corpos atomizados dentro do mesmo espaço se aproximam e tornam-se um conjunto em comunicação – às expressões faciais, quando um recusa o olhar do outro. Ou quando, em um olhar, desejam mais do que se pode ver.
É assim que a clausura verbal e espacial são perfuradas: pelas segundas intenções dos gestos, pelas hesitações dúbias, por pausas incertas nas falas e pelas memórias alimentadas por um trago de cigarro. Como forma de drible à estrutura coibida daquele encontro, é a partir do uso de uma frase que o homem consegue direcionar seu propósito. Questionado se gosta da fruta e do licor de murici que a mulher havia preparado, ele responde para a antiga parceira: “adoro ambos os três”. A casa vibra com a chuva, e cada licença poética ou investida silenciosa parece fazer aqueles corpos tremerem junto.
O escape a essas limitações também se dá pela construção dos enquadramentos. Em uma sequência de plano e contraplano, a dupla começa o curta distante fisicamente; a mulher está em uma cadeira, enquanto ele assenta no sofá até que se aproximam com o desenrolar da conversa, sentando no mesmo móvel e sendo enquadrados em conjunto. Um momento de destaque plástico que reforça o potencial imagético transbordante é quando a dupla discute diante da janela da casa se devem se encontrar novamente no futuro. A mulher indecisa e claramente afetada pelo antigo amor, tem no olho aberto a marca torrencial da chuva que desaba, compondo um choro em camadas. Se tudo lá dentro parece contido – mesmo que à beira da explosão – , e a lágrima teima em não escorrer pela pele, é pelo lado de fora que vemos um vislumbre de uma rachadura, uma infiltração que poderá abalar a casa. Uma possibilidade.
Mesmo com as afiadas intenções que tentam perfurar a superfície, a negativa perante à reunião permanece. Há de se seguir o certo. O homem tem um trem para pegar e a mulher receberá o marido em breve. É então, com esse jogo de tensões atravessadas e não resolvidas, pautado por decisões racionais que o casal se despede. O que se desenhava como desfecho final e sem conciliação, rebela-se. As vazões não mais podem ser contidas. A chuva, replicante ao sonorizar de toda maneira possível cada canto do telhado, se torna goteira para depois inundar a sala com um final desconcertante. O desenlace da possibilidade, a vitória do acúmulo.
O trem passa, com ou sem o homem. Esparramados no tapete da sala, os amantes se amam, de verdade ou na fantasia; e o samba de Chico cala tudo o que era ou não falado.