Distorcendo imagens e graves: entrevista com DJ Ramon Sucesso

Divulgação para a entrevista de DJ Ramon Sucesso na Revista Descompasso

Last Updated on: 10th janeiro 2024, 05:58 pm

Morador de São Gonçalo e nascido em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, Ramon Alves da Silva, mais conhecido como Ramon Sucesso, tem 21 anos. É DJ, produtor musical e começou a produzir vídeos para a internet junto com seu irmão em um canal do YouTube nomeado de “Irmãos Sucessada”. O canal saiu do ar algumas vezes devido a direitos autorais, mas Ramon continuou produzindo sozinho com o vulgo “DJ Ramon Sucesso”. O carioca estourou na internet em 2021 após seu irmão dar a ideia de gravar seus sets com o celular próximo às caixas de som, “para ver como fica”. O vídeo, que tinha a legenda “Cai Cai Cai 🥳”, passou a ser publicado semanalmente por anônimos sob a legenda “Sexta dos Crias”, no qual Ramon se apropriou e, hoje, publica um novo “vídeo-set” tradicionalmente toda sexta-feira em seu Instagram  e Twitter. A partir de uma atualização da experiência do paredão de som, característica cultural dos bailes funk no Brasil, Ramon cria vídeos nas quais os graves que saem da caixa de som contaminam e distorcem a imagem de modo a criar vibrações, estímulos e pulsações.

Nesse sentido, os vídeos da “Sexta dos Crias” de Ramon, onde a escuta das músicas é planteada desde o lugar onde está a controladora e por isso a imagem vibra e distorce junto às faixas, propõe um recomeço com base na destruição total do que veio antes. As músicas originais apropriadas e sampleadas para a construção dos remixes são aceleradas e tem suas características – o grave, principalmente – intensificadas a ponto de se tornarem irreconhecíveis. Assim, como estratégia para pensar a fruição das imagens como ritmos construídos, conversamos – Ana Júlia Silvino, Egberto Santana e Renan Eduardo – com o DJ Ramon Sucesso para entender melhor sobre os procedimentos de seu trabalho. Assim, pensamos na renovação das imagens apostando em uma leitura sonora do mundo atual, no qual a sinergia entre som e imagem é uma intrincada dança que transcende a mera complementaridade à medida que tecnologias proliferam na era eletrônica. 

Novos dispositivos emergem na cena criativa musical e cinematográfica, tendo em vista que o som – e sobretudo sua potência vibratória – corporiza uma espécie de infraestrutura rítmica que molda e dá forma aos fenômenos visuais. Nas redes sociais, ao elevar a capacidade do registro à enésima potência, há uma avalanche de conteúdos que trabalham a câmera como estímulo sensorial. Vídeos como os de DJ Ramon Sucesso, no qual o tremor provocado pelas batidas que atravessam os botões da controladora e contaminam as imagens que vibram junto às sonoridades, não possui uma relação direta com os estudos cinematográficos; mas é uma associação livre que pode funcionar como uma hipótese do choque áspero entre frequências e em novas maneiras de percebê-las.

Revista Descompasso: Ramon, para começar a entrevista: como e quando você começou a produzir e como surgiu esse seu interesse pela música e, em especial, o funk? Também gostaríamos de saber como surgiu o nome “Sucesso”?

DJ Ramon Sucesso: Comecei como youtuber, em meados de 2018, mas não como produtor. Eu e meu irmão tínhamos um canal, mas acabamos perdendo umas duas contas no YouTube. Meu irmão desistiu e decidi criar o meu sozinho. Daí pra frente eu trabalhei, comprei o meu primeiro notebook e comecei a mixar por ele mesmo. Logo depois depois aprendi a produzir, comprei uma controladora e assim foi surgindo. Na época que eu comecei, eu escutava um rapaz do YouTube que o nome dele é Somália Sucessada. Aí eu e meu irmão foi criamos um canal e eu falei assim: “Pô, mano, nois tem que bolar um nome foda”. A gente escutava muito esse cara e o negócio passou a ser “irmãos sucessada”. Isso foi quando a gente perdeu o nosso canal. Depois disso, eu criei o meu, mas não queria copiar o “sucessada” de novo, queria botar um bagulho diferente, botei Ramon Sucesso e pegou.

Revista Descompasso: Muito louco isso porque parece que você tá tipo atualizando esse primeiro momento do funk nos anos 2000: recriando nesse paredão uma vibe Furacão 2000 com essa vibração e com esse nome eu acho que isso fica mais forte ainda. Mas e como era esse canal com o teu irmão e por que ele caiu? E por que teu irmão parou de produzir também?

DJ Ramon Sucesso: Meu irmão me ajuda em muitas coisas. Quando eu vou lançar meu set, essas paradas assim… ele é da minha produção hoje em dia. Eu que ensinei ele a produzir. Ele sabe também tocar a controladora, só que ele já desistiu. Ele já teve vários canais, mas foi tomando strike toda hora, perdendo seguidor e decidiu parar. Eu ainda tentei incentivar mas não rolou. Aí ele parou e eu continuei. Mas hoje em dia ele ainda produz, ajuda a produzir os meus bagulho também.

Revista Descompasso: Você aprendeu a tocar sozinho?

DJ Ramon Sucesso: Aprendi sozinho. Comecei a postar vídeos nas redes sociais até que meu irmão, que gravava todos os meus vídeos, teve uma ideia que deu bom. A ideia era de tremer o vídeo.

Revista Descompasso: Agora que você puxou um pouco sobre os vídeos, a gente queria entender melhor como surgiu a Sexta dos Crias.

DJ Ramon Sucesso: Uma coisa surreal que nem eu sei explicar. A Sexta dos Crias não foi eu mesmo quem deu o nome, não fui eu que criei. Eu postei o vídeo e as pessoas repostaram com essa legenda. Isso acabou pegando pra todo mundo, mas quem criou eu não sei, só sei que não fui eu. Eu postei o vídeo normal, com a legenda do vídeo normal. Não postei nada de Sexta dos Crias, mas o vídeo acabou viralizando desse jeito. Eu vi que aquilo deu bom, que a Sexta dos Crias ficou famosa e eu comecei a postar toda semana com essa legenda.

Revista Descompasso: E como é esse lance de produzir a Sexta dos Crias para você? Como você desenrola essa parada?

DJ Ramon Sucesso: Meu irmão e eu montamos o cenário e eu que produzo a música para colocar no vídeo. Ele me ajuda a gravar, dá algumas ideias. Em todos os vídeos eu procuro inovar, fazer alguma coisa diferente pra não ficar a mesma coisa sempre.

Revista Descompasso: Essa parada de trampar com seu irmão virou parte da rotina de vocês, né? Toda sexta-feira tem um vídeo novo.

DJ Ramon Sucesso: Sim! Às vezes a gente grava na sexta de manhã mesmo ou então grava na quinta-feira à noite. É sempre em cima da hora. Quando a gente grava na sexta de manhã tem que ser rapidão mesmo, nem mando o som completo para minha controladora. Gravo vídeo e depois eu termino a música.

Revista Descompasso: Se você tivesse que descrever o tipo de música que você faz com algum termo que a gente tem atualmente…no seu perfil tá “beat-bolha”, mas também tem uma ideia de distorção: beat-distorção, distorce-mente, espanca-nóia… como você descreveria o tipo de música que você faz?

DJ Ramon Sucesso: Eu comecei pelo fato deles [o público] me chamarem de “o cara do beat-bolha”. Quando eu comecei a lançar meus vídeos, eles começaram a bombar com o beat-bolha, aí eu usei ao meu favor. O beat bolha é uma bolha d’água que eu peguei os efeitos e criei o beat.

Revista Descompasso: Em termos de produção, como você faz isso? Quando você tá produzindo, como você cria essa sensação de que tá dentro da bolha?

DJ Ramon Sucesso: Eu procuro sempre inovar as minhas coisas. Eu pesquiso o barulho de uma bolha e crio um beat do zero, diferente de todos. Eu procuro sempre usar os melhores graves, os melhores “clicks” para a música ficar foda. Algumas paradas eu faço do zero, mas muita coisa eu pego do SoundCloud mesmo. Os clicks e os graves eu pego muito do SoundCloud. Além disso, tem uma pasta que roda entre os DJ’s daqui que tem tudo.

Revista Descompasso: E como você acha que isso dialoga com a tremida na imagem? As  duas coisas parecem estar bem relacionadas. No tipo de vídeo que você faz a imagem tá sempre tremendo. Como você faz isso?

DJ Ramon Sucesso: Então, foi uma ideia do meu irmão. A gente tava gravando um vídeo e ele falou assim: “vamo botar o celular perto da caixa pra ver como é que fica?”, mas eu não queria gravar. E ele insistiu: “grava assim”. Pegou e fez. Todo mundo começou a falar desse negócio tremendo. Aí eu comecei a gravar só assim.

Revista Descompasso: É uma caixa grande que faz o celular tremer ou é o seu irmão mexendo a mão?

DJ Ramon Sucesso: Ele grava com a caixa embaixo do braço, bota no alto falante e coloca o celular em cima. Aí distorce, entendeu? Muita gente já chegou em mim pra perguntar isso, mas ele mesmo fala “mano fala nada pra ninguém não que depois todo mundo vai querer ficar fazendo”. Eu já vi muita gente editando, mas não dá o mesmo efeito de quando bate na música. Porque aí dá pra ver que é edição, a música bate na caixa e bate no vídeo também. Acho que vocês são as primeiras pessoas pra quem eu falo isso.

Revista Descompasso: Você já pensa no efeito que isso vai dar na caixa e na imagem quando tá produzindo?

DJ Ramon Sucesso: Isso! Quando eu estou produzindo eu já penso no grave que eu vou botar pra bater, entendeu? Aí quando eu for gravar o vídeo, já vai bater já do jeito que eu gosto.

Revista Descompasso: Mudando um pouco de assunto, queríamos falar um pouco sobre o EP “Contenção”. É bem diferente do tipo de produção que você vincula na nas redes. É bem interessante. Como foi esse processo?

DJ Ramon Sucesso: O MC que é o dono do EP, o Torugo, tava vindo muito para o estúdio aqui na minha casa. Eu tava fazendo muito trap, essas músicas consciente. Todo dia ele vinha  e a gente fazia uma, aí ele virou para mim e falou “porra, mano, a gente está cheio de música guardada e soltando assim devagar é foda. É melhor nós soltar logo.” Eu propus pra a gente lançar um álbum, fizemos o flyer e agora o som tá na pista. Nesse trampo eu só tô como só produtor, mas também tenho música cantando, tenho de tudo.

Revista Descompasso: Música que você está cantando? 

DJ Ramon Sucesso: Tenho um montão. Tem um funk que até lancei no spotify, mas o que eu mais canto é trap.

Revista Descompasso: Mas o que você mais curte tocar, então? Porque você tá vinculado a vários estilos, né?

DJ Ramon Sucesso: Eu toco música do meu gosto. Gosto de tocar as músicas que estão estouradas no momento. A música que estoura no TikTok é o que pega no baile, entendeu? Tem umas que eu não escuto muito mas lanço no show porque vai estourar. Eu vejo muito o público. Se eu lancei um ritmo e eu vi que o público não se mexeu, ficou acanhado, eu mudo para tentar fazer o público gostar. Eu sempre vou preparado. Eu nunca vou colocar só as músicas que eu gosto. Aí estaria sendo egoísta, eu tenho que ver o que o público gosta.

Revista Descompasso: E o que que você sente que o público mais gosta de tudo que você faz, além da Sexta dos Crias?

DJ Ramon Sucesso: Eu procuro sempre levar para os shows, o que eu faço nos vídeos. Tudo que eu faço no vídeo eu faço lá: as mixagens etc. Eu tô sendo contratado pelo vídeo que viram na internet. As pessoas gostam por isso. Inclusive, meus produtores gravam vídeo nas festas tremendo também.

Revista Descompasso: Ramon, gostaríamos de saber um pouco como foi o convite para tocar um set na NTS1? Como foi a experiência? Eles descrevem como “DJ Ramon sucesso toca funk carioca por meia hora e traz o caos para essas bolhas de ar”. Não sei, mas eu acho bem acadêmico e tentando dar conta do que você faz que eu acho que não é uma coisa tão material assim. Diz mais de uma experiência. Porque eu sinto que o que rola com vídeo é que isso quando está numa festa, para você sentir esse tipo de vibração, tem que ser uma caixa de som muito boa e muito grande… essa ideia de paredão, e daí o vídeo meio que te dá essa mesma sensação, mas com qualquer alto-falante, do celular ou do computador.

DJ Ramon Sucesso: Quando tá a equipe de som essas coisas assim, esquece! Treme muito, até dói o ouvido. Mas a aproximação com a NTS foi assim: eles me mandaram uma mensagem no Instagram, mas demorou um bom tempo para levantar esse áudio lá. Antes disso, troquei uma ideia com uma parceira que também solta um som por lá a cada dois meses, ela me disse que era tranquilo, que o pessoal era de boa, e eu aceitei tocar. A experiência foi boa porque tiveram muitas pessoas me marcando, os gringos me marcando e escutando.

Revista Descompasso: Mas assim, você mudou um pouco o que você geralmente faz para se adequar ao som deles? Como foi o processo de escolher o que que você ia tocar?

DJ Ramon Sucesso: Eu toquei o que eu faço nos vídeos, mixagem e tudo. É a mesma parada do meu disco, só que é diferente porque eu não vou lançar uma coisa no meu disco que tá na NTS, entende?

Revista Descompasso: Aproveitando a deixa, você está pra lançar um disco 2na gringa também. Gostaríamos de entender como foi a produção dessa parada, porque você produz música e vídeos numa pegada mais sintética. Tipo no notebook, no celular e tal. Mas o disco é um outro formato, mais físico. Acredito que deve ser diferente até para tocar as músicas, porque, num geral, as caixas de toca-discos não são tão potentes quanto as do baile ou quanto as que você usa aí. Queria saber como você enxerga essa diferença?

DJ Ramon Sucesso: Então, o que aconteceu foi que eles [o selo paulista Lugar Alto] me fizeram um convite para fazer o disco e falaram que eu tinha que botar música exclusiva, até porque o disco também vai subir nas plataformas. Para não dar problema com a produção de outras pessoas, eles falaram que era para eu fazer uma música do zero. Depois disso eu fiz pique meus podcasts e meus sets mixados. Mandei o áudio para eles masterizarem para bater direitinho nas caixas, pro som ficar top.

Revista Descompasso: Você se sentiu um pouco limitado com isso? Porque no Tik Tok e YouTube não tem esse rolê de direitos autorais, esses pequenos problemas que você trouxe agora.

DJ Ramon Sucesso: Então, eu lembro que só me deu um problema uma vez. Foi só uma música que me deu esse problema de direitos autorais. Depois disso eu comecei a fazer música de um jeito que não ia me dar problema.

Revista Descompasso: Mas você acha que tem uma maneira não ideal, mas uma melhor maneira de ouvir esse disco enquanto o formato? Porque às vezes a pessoa vai ver o vídeo com uma caixinha de celular e não vai dar a mesma onda que do paredão, digamos assim. Jogar um disco nas plataformas, sobretudo o tipo de música que tu faz, meio que meio que perde a potência do som de alguma medida.

DJ Ramon Sucesso: Esses dias eles me mandaram o áudio masterizado, porque eu não tinha escutado ainda e porra! Parece que nem foi masterizado, o bagulho tá batendo muito. De verdade mesmo! Querendo ou não, é a mesma coisa a gente escutar uma música na caixa de som e uma música no celular. Nunca é a mesma coisa. Mas tipo assim, eu escutei o audio masterizado pelo meu celular e achei foda. Tá batendo mesmo de um jeito. Eu falei “pô, quando botar em  qualquer caixinha, em qualquer lugar, o negócio vai bater muito. Até no celular também tá muito foda!

  1.  A NTS é uma rádio pública online, baseada em Londres. Além de transmitir diversos programas de diversos estilos, o site também serve como uma alternativa ao sistema tradicional de rádio, apoiando artistas novos e emergentes do mundo todo e conta com um acervo múltiplo de sons curados por um time especializado. (DJ K, Mu540, Iasmin Turbininha são alguns dos brasileiros que já passaram pelos sets da estação e o mineiro Vhoor mantém um programa dentro do site).
    ↩︎
  2.  A entrevista foi realizada no dia 11/10/2023, em momento anterior ao lançamento do disco de Ramon Sucesso. ↩︎

Autores

  • Revista Descompasso

    A Descompasso foi criada em agosto de 2023 com o objetivo de ser um veículo independente de exercício, prática e expressão da escrita crítica sobre o cinema, a música e outras manifestações artísticas.

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  • Ana Júlia Silvino

    Crítica de cinema e pesquisadora.

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  • Egberto Santana

    Formado em jornalismo pela Unesp de Bauru em 2021, é co-fundador da Revista Descompasso, repórter correspondente de Poá na Agência Mural de Jornalismo das Periferias, redator freelancer e crítico de cinema em vários cantos. Possui textos publicados no Plano Aberto, Persona Unesp, Corpo Crítico (2020) Mostra Cinema do Presente (2021), Nicho 54 (2021) e no Laboratório Crítico da Revista Crítica de Cinemas Africanos (2022)

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  • Renan Eduardo

    Crítico de cinema e pesquisador. Bacharel em Cinema e Audiovisual pela PUC Minas e mestrando em Comunicação Social pela UFMG. Atualmente, é editor e redator da Revista Descompasso.

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