Quatro horas separam Brasil de Portugal, Lisboa de Fortaleza, e os redatores Luiz Fernando Coutinho, Renan Eduardo e Rubens Fabricio Anzolin do cineasta brasileiro Leonardo Mouramateus, diretor do longa-metragem Greice (2024). Às 8 horas da manhã de uma segunda-feira, dia 09 de setembro de 2024, a Revista Descompasso teve a possibilidade de conversar por um longo tempo com o cineasta cuja trajetória é bastante marcante para o cinema brasileiro da virada dos anos 2010 para 2020. Leonardo Mouramateus, artista do estado do Ceará, iniciou ainda muito jovem sua carreira no cinema, tendo realizado importantes curtas-metragens como Lição de Esqui (co-dirigido com Samuel Brasileiro), Mauro em Caiena, A festa e os cães e Vando Vulgo Vedita (co-dirigido com Andreia Pires), além de uma série de outros trabalhos que estão em consonância direta entre artes visuais, teatro, literatura e cinema.
Com interesse substancial pela juventude e por um cinema voltado à palavra, Mouramateus chegou em 2024 ao seu terceiro longa-metragem, Greice, após ter realizado Antônio Um Dois Três (2017) e A vida são dois dias (2022). Com influências que misturam a comédia estadunidense do início do Século XX até uma relação mais direta com os trabalhos de cinema popular brasileiro, Greice marca uma espécie de distinção na trajetória de longas-metragens de Leonardo, trazendo pela primeira vez uma protagonista feminina, que está dividida entre os mundos de Brasil e Portugal, e entre o desejo dos estudos e dos sonhos na Europa e a melancólica lembrança de sua cidade natal, Fortaleza.
A conversa aqui registrada versa sobre uma série de temas ao redor não apenas do mais recente filme do diretor, mas também de uma relação fundamental que Mouramateus possui com a cinefilia, um dado pouco levantado ao redor de sua carreira. A lógica dessa entrevista está baseada em um diálogo informal, franco e aberto, sobre influências artísticas e fílmicas que ajudam a conformar o trabalho do cineasta.
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Revista Descompasso: A caça ao tesouro em Greice nos faz pensar no próprio filme como um terreno com influências enterradas, secretas, distribuídas aqui e ali, que cabe a nós encontrar. Seus filmes anteriores sempre confessaram que são obras impregnadas pelos filmes que você viu, as leituras que você fez, as músicas que você ouviu. Pensamos em Rivette, em Renoir, nos cineastas da Diagonale… Em Greice, você parece retornar mais contundentemente à comédia hollywoodiana, Lubitsch e Chaplin em especial. Sabendo que seu trabalho se faz na intercessão com a vida pessoal, qual é o lugar da cinefilia no seu método de criação?
Leonardo Mouramateus: Eu comecei a ver filmes porque meu pai trocou o conserto de um relógio por um aparelho videocassete usado, ele é relojoeiro. Já era o momento da troca do videocassete para o DVD, então as fitas de VHS estavam muito baratas. No centro da cidade eu conseguia comprar três fitas por um real. Chegou o momento em que eu tinha uma estante cheia de fitas velhas e a curiosidade fazia com que um filme levasse a outro. Era uma relação muito passional mas muito solitária. Eu passava horas no fundo dos sebos. Tinha a impressão de que por detrás da fileira de fitas VHS que eu via haveria uma fita rara, e por detrás dessa fita rara uma fita mais rara ainda. Então de certa forma a cinefilia sempre foi um lugar bastante físico, e isso ficaria ainda mais forte mais tarde.
Aos 15 anos eu entrei no teatro justamente porque ainda não era uma possibilidade para eu cursar cinema: eu gostava de filmes, queria ser diretor, mas ainda não havia um curso superior público de cinema. Mas eu tinha um amigo que tinha feito o Curso Princípios Básicos de Teatro, curso público oferecido no Theatro José de Alencar, e eu me encantei com as histórias daquilo que ele vivia lá. Foi isso que mudou: se por um lado eu era cinéfilo e tinha essa cultura dos filmes, da produção de histórias, uma espécie de fascínio, ali no curso eu me aproximei do trabalho dos atores, ou seja, do trabalho com pessoas – muitas delas com um vivência parecida com a minha, adolescentes vindos da Messejana, da Caucaia, da Vila Velha… Ali eu fiz amigos, e entrei em contato com uma ética, não consigo dizer de outra maneira: chegar na hora do ensaio, se entregar fisicamente àquilo, pensar, fazer, discutir, criar uma comunidade. Encontrar uma maneira justa, crítica, feliz, de viver em Fortaleza. Muitas dessas pessoas que eu conheci ali estão em meus filmes, muitas delas ainda são meus amigos até hoje. Então tudo se misturou: a arte não era mais só um lugar de fascínio.
Aos 15 anos eu estava bem com minha cinefilia, comprando fitas por um real, juntando moedas para almoçar salgado com refrigerante com os amigos do teatro, alugando livros na biblioteca do SESC Centro – tudo isso para que eu e meus amigos pudéssemos sentar no jardim do Theatro José de Alencar e escrever uma peça completamente sem noção no intervalo das aulas, enquanto eu tentava abstrair a pressão do vestibular. Hoje, pensando com distância, eu consigo perceber o quanto esse momento desenhou alguns dos aspectos da minha relação com o cinema. Porque esse teatro que fazíamos estava muito distante do cinema que eu assistia. O cinema continuava ali, por detrás do vidro do televisor, fascinante mas distante. Não parecia lugar para empregar essa relação gratuita com a vida. E eu não via maneira de conseguir construir uma ponte entre essas duas coisas. Até que o curso de cinema da UFC (Universidade Federal do Ceará) abriu.
Quando entrei no curso de cinema, as minhas referências não eram Clube da Luta (1999). De maneira muito arrogante, com 19 anos de idade, eu falava de Andrei Rublev (1966) (risos). Mas o cinema que me dava tesão na época já não tinha nem planície nem névoa. Tem esse curta, The end of a love affair (2003), do Pedro Costa e do João Fiadeiro, que é um bom exemplo de como a distância entre o mundo que eu vivia e o cinema que eu gostava tinha encurtado. Esse filme é uma pessoa, um quarto, uma música, uma cadeira…
Fui à Guerra e Não te Chamei (2010, co-dirigido com Roseanne Rodrigues e Teste) foi feito com dois amigos, o Dani (Daniel Pizamiglio) e a Andréia (Andréia Pires), e foi inspirado num espetáculo de dança que fazíamos juntos. Partiu de uma ideia muito simples, o que estava em cena era a nossa própria relação de amizade, de viver na cidade. Eu acho que eu fui encontrando isso pra cada filme, filme a filme, quase como um método. Sempre havia uma história, uma narrativa, nos filmes, mas aquilo que fazia a coisa funcionar é um conjunto de decisões, as relações pessoais que pulsavam no interior desses processos e que até hoje permanecem invisíveis para os espectadores. Isso namora, sem dúvida, com o cinema que estava acontecendo em Fortaleza, com a Alumbramento, mas ainda mais com os grupos de teatro da época: o Teatro Máquina, o Bagaceira, o Coletivo As Travestidas…
Mas alguns filmes foram importantes nesse caminho entre a cinefilia e a prática. Tipo quando eu me deparei com os filmes do Jia Zhang-ke tipo o In Public (2001) e o Unknown Pleasures (2002). Foi muito importante porque finalmente eu assistia a um filme no qual eu reconhecia os rostos da minha cidade, meu grupo de amigos, num ambiente mais ou menos fodido, tentando viver da melhor maneira possível. Era também filmado com seus próprios meios, um digital diferente do de hoje em dia… Era um filme mais cagado que o Plataforma (2000). As pessoas estavam um pouco mais na precariedade da vida, na incapacidade de sair.
Enfim, eu fiz todo esse caminho para tentar chegar nisso: Aos 15 anos Cinema e Teatro eram todo o meu oxigênio, mas não estava míope para a disparidade entre essas duas realidades. Mas quando comecei a estudar cinema com 19 anos as coisas já haviam mudado. Tive a sorte de ser testemunhar o crescimento do digital. Conseguia visualizar a junção desses mundos, desses grupos de amigos que faziam cinema, teatro e dança, como nenhuma geração antes de mim tinha presenciado, pelo menos não em Fortaleza.
Hoje eu já não assisto tudo como antes. Eu acho que hoje em dia eu pego um filme e moro nele, em vez de ficar vendo vários. Há alguns anos, durante a covid, eu assisti ao Francisco, Arauto de Deus (1950) do Rossellini e esse filme está insistentemente comigo desde então. Hoje eu já vejo as coisas desde um ponto de vista que é menos das referências e mais dos modos de fazer. Por isso gosto muito da Diagonale, o que ela faz com o teatro e com o cinema popular, sem fazer diferença entre baixa e alta cultura, grande e pequeno cinema. Com isso eu me identifico profundamente. A Diagonale é também a expressão muito forte de uma relação de amizade, de uma ética de trabalho, de um sentimento entre algumas pessoas. Aquilo que me inspira hoje, como cinéfilo que fui, é o trabalho de pessoas cujos filmes evocam imagens que estão para além do filme – pontos de vista em relação à vida, modos de viver. É isso que mais me interessa nos filmes: como eles conseguem dar instrumentos para alguém viver melhor. Não quero ser muito idealista, mas eu realmente acredito que o cinema pode ser um instrumento para viver melhor. É minha fase religiosa, que veio depois de ver o São Francisco (risos).
Revista Descompasso: Existe algo curioso, sobretudo na recepção dos seus filmes, e que talvez assombre todos ou a maioria dos realizadores que não filmam em São Paulo ou no Rio de Janeiro: a relação com uma ideia de território. Parece que, a partir do momento em que se escapa de certa universalidade ou de cidades cinematográficas, urge a necessidade de falar sobre território. Pensando nisso, os territórios de Fortaleza sempre aparecem de maneira curiosa. Pensamos numa relação de exterioridade, digamos assim, que está presente e assombra até os filmes anteriores à sua mudança para Portugal. Trazendo exemplos concretos: poderíamos falar do Europa (2011), filme sobre esse bairro em Fortaleza em que as ruas têm nomes de países europeus, do Mauro em Caiena (2012), com toda sua relação com cinema japonês. Quando isso chega nos longas, com você já morando em Portugal, vemos uma relação curiosa entre os dois países, como se as operações se dessem por síntese, como se coisas se misturassem: de um corte para outro, Fortaleza se torna Lisboa, Lisboa torna-se Fortaleza, sem grandes transições. São duas cidades que, inclusive, se parecem em termos de ruas, telhados e relações. Cruza-se o Atlântico de um corte a outro e isso é algo que está presente no seu cinema desde os primeiros curtas. A pergunta caminha no sentido de pensar na relação de exterioridade entre esses dois territórios, no trânsito de Fortaleza e Lisboa, não somente nos longas.
Leonardo Mouramateus: Eu poderia responder essa pergunta de diferentes maneiras. Eu poderia falar sobre minha família, porque eu sou da Maraponga, bairro distante do centro da cidade. Filmei as ruas do bairro em alguns filmes, filmei as mesmas ruas em que minha mãe cresceu, e onde eu mesmo vivi até meus 24 anos de idade. Antes dela, minha avó já havia crescido ali, então de certa forma o território se confunde com as pessoas. Mas se por um lado eu nasci no terreno onde minha mãe nasceu, que foi dividido com todos os familiares, parede com parede, puxadinhos etc; o meu pai é um forasteiro. Ele é de Pernambuco e não tem família em Fortaleza. Conheceu minha mãe porque ele jogava bola com meus tios. Ele sempre me falou que se eu estudasse muito eu andaria de avião, como ele mesmo andou uma vez, quando foi ser funcionário da SEIKO em Fortaleza. Então essa relação entre o enraizado e o flutuante, pertencer e não pertencer, é algo muito presente.
À medida que eu vou estranhando o lugar onde eu nasci, também é um momento em que a violência no bairro começou a aumentar. Mauro em Caiena (2012) fala diretamente sobre a destruição daquele espaço para a construção de condomínios e aquilo vai ficando cada vez mais pesado, e sobre ir embora. No ano em que eu vim morar em Portugal, eu fui assaltado duas vezes, às 11 da manhã, na minha rua. Então, passa desde um incômodo muito pessoal e íntimo com o espaço que se transforma, mas também como aquilo ali já não me cabia mais. Para além disso, eu acho que existe uma dimensão de estranhamento mais queer: uma ideia de que você só consegue ser quem você é fora de onde você nasceu. Hoje eu consigo assumir melhor que eu sempre me senti estrangeiro e, na hora que eu fui embora, eu finalmente me sinto estrangeiro e vejo que, na verdade, esse sentimento sempre esteve presente comigo. Ou seja, os filmes se adensam nessa temática, porque eles não precisam mais lidar o tempo todo com o território. O território é sempre estranho. Ele pode ser dobrado e separado porque o território é uma expressão do meu próprio estranhamento.
Ao mesmo tempo, tem algo que o Leonardo Simões me falou durante os sets do Greice que eu nunca tinha reparado. Ele disse que era muito fácil trabalhar comigo, porque eu penso as cenas entranhadas com a locação. No Greice (2024), ainda que aquele quarto seja muito pequeno, não existe nenhum momento em que ele seja filmado de duas maneiras iguais. Não se trata de que tenho que filmar diferente do que já filmei, nada disso. A minha ideia é pensar como que, nesse momento, esse espaço expresse as forças que estão em jogo na cena. Isso tem a ver com teatro, com suficiência, com economia, com inflexão de um ponto-de-vista, mas também tem a ver com a ideia de que eu preciso realmente viver uma história num certo espaço, mesmo que seja num espaço que para mim é desconhecido, para conseguir pelo menos dar a impressão para o espectador de que esse espaço está sendo bem vivido, bem “morado”. Se essa garota [a Greice] faz do hotel uma espécie de esconderijo, o filme precisa saber quando o quarto é um esconderijo, quando o quarto é um palco de teatro…
Eu tento sempre fazer com que o território seja um elemento importante para a vida do filme. Escolher uma locação em detrimento de outra muda drasticamente a história que a gente está contando. Eu não gosto de pensar algo do tipo “não gostei do filme, mas essa história é boa” ou algo como “que locações interessantes, mas o filme é péssimo”, para mim cada fragmento de um filme precisa ser o filme em si. O modo como as pessoas conseguem desestruturar um filme me desinteressa muito. É como ler um poema pela primeira vez dando atenção somente à qualidade das rimas.
Voltando ao centro da pergunta sobre essas possíveis conexões entre Brasil e Portugal. Se eu tivesse ido para outro lugar essa história seria completamente outra. Mas como é Portugal existe toda essa relação. Inclusive, uma relação bem pessoal comigo no sentido de que o trabalho de muitas pessoas que tão em Portugal foi importante para que eu escolhesse esse lugar para viver, como o meu amigo Dani, como a professora Susana Sousa Dias. Existe esse tipo de lugar que é um espaço afetivo e faz com que estar aqui [em Portugal] tenha feito sentido. Os filmes que surgem desse “estar aqui” são os filmes que eu consegui fazer. Poderiam ter sido outros, ou nenhum.
O colonialismo não é algo que eu necessite de pensar muito: como os filmes estão muito ligados à minha vida e ao território, basta olhar ao redor para ver o passado por todo lado. Diria até mais, diria que o lance é que eu não quero falar só sobre colonialismo. Eu quero dar atenção a essa esquina, a esse barulho de garrafas que acontece só aqui. Quando você coloca as garrafas de vinho no lixo para reciclar tem um barulho muito específico do vidro se quebrando e isso me interessa. Eu quero fazer uma cena com esses vidros e tento entender: que cena pode ser essa? O que vem antes e o que vem depois? Eu penso muito a partir disso e aí, no horizonte, surge, naturalmente, a relação entre os territórios. As formas nascem de um jogo, de um corpo a corpo com aquilo que se vive.
Revista Descompasso: Interessante você falar de estranhamento, porque tem algo que me remete aos teus filmes e, ouvindo você falar, me parece ter mais a ver com teatro do que propriamente com a literatura. Acho bonito você falar sobre a estrutura de um poema, porque essa ideia de poema, literatura e palavra está muito viva em seus filmes. Se olhar em retrospecto todos os seus trabalhos, eles têm uma presença muito aguda da palavra. Quando filma-se com pessoas brasileiras conversando com portugueses, de alguma forma, você coloca essas línguas, o “brasileiro” e o português, em atrito. Isso também é muito sintomático, porque eu gosto muito de você usar a palavra estranhamento, porque tal atrito também causa isso.
Acho que há um teste de força em grande parte dos seus filmes em que existe essa relação entre Portugal e Brasil. Sobretudo no que diz respeito à palavra, tem uma relação desses corpos que se estranham. Eu lembro quando vi A vida são dois dias (2022) em Tiradentes e fiquei um tempão falando com amigos sobre Roberto Bolaño e essa coisa de começar a vir o nome de várias pessoas que você não viu, não vai ver, não fazem parte da narrativa, mas você sucessivamente fica criando essa aliteração. O nome do cara se chama Paulo de Paula e isso é uma ironia muito feliz, sabe? As palavras vão se testando. E, para continuar falando do Bolaño, tem essa coisa dos personagens andarem o tempo todo, como se você descobrisse a cidade junto a eles. Aí quando tem aquela cena no Greice (2024) dos alunos na frente da direção contando versões diferentes de uma mesma história, é como se várias narrativas fossem se criando, e você se pergunta no quanto acredita no que aquelas pessoas falam. Qual versão delas é a verdadeira? Eu sempre quis te ouvir falar sobre isso, porque é quase inevitável ver seus filmes e não pensar em Júlio Cortázar, por exemplo. Essa coisa meio jogo da amarelinha de você brincar com a cidade, brincar com o que se esconde atrás daquele cômodo, atrás daquele museu.
Leonardo Mouramateus: Existe uma coisa muito linda no Jogo da Amarelinha, de Cortázar, sobre o tema: é um livro todo partido que se parte tanto formalmente quanto tematicamente entre as pessoas que estão na França e as pessoas que estão na Argentina. Existe muita duplicidade naquele capítulo fantástico das duas janelas se olhando. Acho que fui contaminado por todas essas coisas, sem nenhuma dúvida. Se tem um tema que atravessa Bolaño inteiro é ser estrangeiro. Minha ligação com Bolaño sempre esteve aí, e é até anterior ao cinema. Me interessa a sua atitude punk. Como ele escreve afundado em uma badtrip literária, sem pudor de se misturar com música e cinema. Eu sou apaixonado naquele conto em que ele faz uma referência ao Ghost – Do Outro Lado da Vida (1990), para falar como é o mundo depois que você morre. O conto se chama O retorno e é um conto sobre um estrangeiro que morre numa pista de dança e ninguém vai reclamar o corpo dele, porque ele é estrangeiro. Eu gosto muito do quanto as histórias do Bolaño são extremamente molhadas, sabe? São saborosas, cheias de coisas que refletem, de personagens, como se fossem grandes bestiários e, no final das contas, é só gente vivendo apaixonadamente a arte, a bebedeira, a vida, a ausência de dinheiro, marcados pela violência, pelo fascismo. Com certeza que o Bolaño inspira uma alternativa latinoamericana à pobreza, à pobreza de espírito, no caso. Isso me inspira nele até hoje, porque ele vê nessas vidas os grandes heróis do mundo. Isso sem dúvida influenciou meu modo de pensar e qual tipo de história eu quero contar.
O lugar da palavra nisso tudo tem a ver com o dispositivo da literatura, que é muito próximo ao dispositivo cinema, por causa da construção de imagens. As pessoas acham que a imagem no cinema é aquilo que a gente está vendo, quando, na verdade, eu acho que nos filmes fracos aquilo que a gente está vendo é efetivamente o que estamos vendo, como se as imagens fosse a ilustração das palavras escritas num papel. Como se dirigir fosse escrever comandos para um inteligência artificial produzir imagens. Já os filmes fortes permitem que os espectadores imaginem. Um bom filme não consegue só trabalhar com o fora de campo, mas também com a capacidade de fazer o espectador pensar o exterior, o universo, de tudo aquilo que estamos vendo. O exterior do sentimento dos personagens, bem como o exterior daquele mundo que está recortado na nossa frente…
O Mauro (Soares), por exemplo, para mim, consegue criar essa ambiguidade com a atuação dele. Ele permite que eu, como espectador, imagine coisas enquanto o vejo. É um ator que consegue combinar muito bem uma relação justa com as palavras e os gestos, em ambientes de algum caos. É uma pessoa que não é dada ao improviso, mas que experimenta muito, que não faz dois takes iguais. Isso foi um aprendizado que eu tive com ele: não existem dois takes iguais. Você existe no momento da cena, e estar em cena é dar continuidade àquilo que acontece enquanto está a acontecer. É um prazer construir um filme com as imagens que um intérprete evoca. No António Um Dois Três e no A Vida São Dois Dias, a gente estava realmente muito aplicado na relação com as palavras, no modo como o texto podia fluir.
Desde o começo, eu sabia que Greice seria uma comédia maluca. Eu queria que esse valor das palavras que a gente já tinha experimentado e encontrado no Antônio Um Dois Três e no A Vida São Dois Dias ainda estivesse presente. Por isso que, quando o Mauro aceita fazer a preparação de elenco, dá nisso. No fundo, seu gesto é fazer com que todos os atores estejam no mesmo filme, mesmo com todas as suas diferenças. Que deem atenção ao que está acontecendo no presente mesmo da cena. Fazer com que essas pessoas habitem o mesmo lugar, que a graça surja do que emerge desses encontros, do embate entre essas palavras e essas atitudes. O embate entre aquilo que vemos; aquilo que não vemos; e aquilo que não vemos mas que é contado.
Daí que diretores como Ernst Lubitsch, um emigrante, conseguem lidar muito bem com o modo como a gente imagina coisas. Parte da graça deles é que a gente está pré-concebendo coisas antes da coisa aparecer. Nós sabemos tudo que está acontecendo na sala de jantar, mesmo que não estejamos vendo ela. Porque na cozinha a gente está vendo só as reações, o retorno da comida nas bandejas. Essa maneira de lidar com o espaço, de lidar com o cinema, com aquilo que a gente não vê, é uma delícia pra mim. Eu acho que existem filmes, pessoas, que lidam muito diretamente com as coisas, com a visão sobre as coisas. É algo que pode ser muito bonito, mas aquilo que me interessa é justamente o imaginário que você consegue evocar num filme enquadrando e ouvindo coisas. Eu adoro quando alguém conta um filme e conta cenas ou gestos que não estavam lá, porque elas imaginaram eles. Isso traz muito da literatura do Julio Cortázar, do Roberto Bolaño…. O modo como o processo é um processo reflexivo sobre aquilo que está acontecendo enquanto está acontecendo. Esse é o lugar que me interessa da palavra. É quando no teatro você fala “há uma baleia!” e você imagina a baleia, vê a baleia, mas não esquece que está no teatro.
Revista Descompasso: Têm algo que liga Bolaño, Cortázar e o seu cinema, que é uma espécie de ligação com a narrativa, através, paradoxalmente, da fratura dessa narrativa. A narrativa se estilhaça, se fragmenta, torna-se episódica, mas ainda assim existe uma história sendo contada. Eu gosto muito quando você fala de um filme que conta um filme ou de uma narrativa que se descobre no processo dessa narrativa, porque é justamente isso que gostaria de te ouvir falar. Nos seus filmes, a narrativa tal como imaginávamos [linear] não é mais possível, mesmo que seja possível encontrar uma narrativa ainda assim. Isso me faz pensar naquilo que define a Greice que é quando Cléa ela “se escreve de trás pra frente”. Não consigo parar de imaginar que, nos seus filmes, a narrativa também se escreve de trás para frente. Ela transforma o que é mentira em verdade.
Leonardo Mouramateus: Um trabalho que foi muito importante pra mim foi o do João Fiadeiro. Ele é um coreógrafo muito conhecido por ter espalhado uma ferramenta de trabalho chamada “método de composição em tempo real”; e foi muito forte o encontro que eu tive com a transmissão desse método. O método lida com a emergência de acontecimentos a partir de ações muito simples, sistemas complexos que surgem sem que alguém diga “você faz isso, você faz aquilo”. De repente, algo que parecia extremamente monótono sofre uma mudança que nos faz repensar tudo aquilo que aconteceu antes. É como se aquilo tudo que nos foi apresentado desde o começo tivesse sido pensado intencionalmente. Como se aquilo tudo fosse tedioso justamente para que aquela mudança acontecesse, quando, na verdade, não. O que acontece é que quando surge a mudança, a história é reconfigurada. Os espectadores repensam aquilo que viram desde o começo e aquilo que estava no passado se prova completamente possível de ser maleável. Não é como se o passado fosse algo fixo, não é como se o passado já tivesse sido escrito. É como se o passado, a partir das ações de hoje, pudesse constantemente ser reescrito e alterado.
Dando um pulo de 15 anos para frente, hoje eu penso que tudo isso faz parte realmente de um saber mais ancestralizado, mais humano, na espinha dorsal da nossa relação com o tempo. Penso no ditado iorubá que diz que Exu matou um pássaro ontem com a pedra que lançou hoje. Isso me interessa muito porque tento desafiar sempre a ideia de que o cinema ocorra como numa linha de montagem. Tento operar contra essa ideia, contra essa lógica.
Se você for ver o trabalho do [Charles] Chaplin, por exemplo, naquele documentário Unknown Chaplin (1983), você vai ver, que seus filmes não eram pensados de maneira linear. O filme era informado pelo próprio acontecimento, pelo próprio filme. Explicando, todo filme do Chaplin começa com uma gag simples. A partir disso ele pensa — uma gag vai acontecer antes e uma gag vai acontecer depois. Cenas são refilmadas, com pequenas mudanças. É o própria filmagem das cenas que faz ele pensar a história em que essa gag vai se inserir. Ou seja, ele não parte de uma roteiro, ele parte de um fragmento muito mínimo, que é um fragmento de uma uma comédia física.
Algo que também me interessa nesse método do Chaplin, uma pessoa muito rica, é por incrível que pareça da ordem da economia: se você não tem grana ou estrutura pra fazer, você faz em pequenos fragmentos. Filmar, montar, pensar, filmar mais um pouco… A gente não tinha grana pra fazer o Antônio Um Dois Três (2018), então a gente fazia em pequenos fragmentos. A gente teve que fazer o “um”, e a partir do “um” fez o “dois”, e a partir do “dois” fez o “três”. O que acabou culminando num estilhaçamento narrativo. Essa estilhaçada narrativa vai muito longe em A vida são dois dias (2023), longe demais! Eu e o Mauro [Soares] ficávamos na construção do filme vendo tantos reflexos que no fim, a gente nem sabe quantas partes o filme tem. Quantas partes ele tem? Seis, sete partes? É isso… Até o Greice foi filmado em duas partes.
A ideia de que você precisa escrever um roteiro, vai atrás de um financiamento, você explica pra um monte de gente o porquê esse filme precisa ser feito, você faz um teste de elenco, chama pessoas, chama equipe, faz um plano de filmagem, filma os diálogos, monta isso e distribui, é no mínimo reacionária. No fundo, o que realmente me incomoda, é que a maior parte da estrutura de produção cinematográfica está emparelhada nessa lógica, das pequenas escolas de cinema aos grandes festivais. Quando se tem uma estrutura de financiamento, de produção e de distribuição, que diz que a única maneira de você fazer o seu filme é dentro dela, quem não segue a norma se isola, ou vira um pirata, ou os dois, não existe muita saída.
No fim das contas, a narrativa é estilhaçada não por falta de confiança na narrativa, é justamente na ideia de que existe uma outra narrativa, a narrativa da narrativa, que me interessa tanto quanto àquela que está sendo contada. Eu estou lendo agora a Odisseia e estou ficando maluco. As pessoas sempre me falavam “ah, é isso que está acontecendo com Ulisses, ele está saindo de Tróia e passa por ali, por ali, aí chega em Ythaca, mata fulano e…”, mas não é nada disso que acontece! O que acontece é que ele está em um lugar e no meio disso ainda tem outras histórias acontecendo de maneira paralela! E se os poemas épicos fundadores da narrativa Ocidental já possuíam uma estrutura extremamente fragmentada, dispersa, com sabor tão intenso, por que a gente tá repetindo essa maneira linear de contar histórias, fazer as coisas, reproduzir histórias? Acho isso bem arrepiante.
Revista Descompasso: Interessante você comentar sobre tais questões relativas ao modo de produção, porque penso exatamente em como os personagens de Adirley Queirós são extremamente resultantes dos modos de produção que ele opta pensando nesse modelo de produção, sobretudo nos longas, eu gostaria de ouvir um pouco sobre seus protagonistas. Os dois primeiros longas são protagonizados por Mauro Soares (seu companheiro), já no terceiro temos Amandyra como protagonista. Queria entender como você enxerga a criação desses personagens dentro do modelo de cinema que você propõe. Indo um pouco além: como você enxerga a mudança dos protagonistas de Mauro para Amandyra? Vendo de fora, há mudanças relativas à identidades de gênero e raça, mas também uma mudança de postura fílmica: você e Amandyra, enquanto câmera e diretor, dançam uma malandragem muito bonita, muito particular.
Leonardo Mouramateus: Também não existe uma linearidade nisso. O Greice eu comecei a pensar enquanto estava filmando o António Um Dois Três (2017), a estrutura do Greice sempre foi a mesma. Não é como se fosse uma espécie de progressão, uma espécie de evolução em relação aos personagens. O filme poderia ter sido filmado em 2019 , mas aí rolou Bolsonaro e depois veio a covid. Nesse cenário, ele sairia antes do A Vida São Dois Dias (2022), por exemplo. Na verdade, o que acontece é que eu nunca estou desempregado daquilo que eu estou vivendo, daquilo que estou aprendendo conforme eu vou vivendo. Sem dúvidas, o Greice tem esse tom, não só por conta de condições específicas de produção. Antônio Um Dois Três e A Vida São Dois Dias são filmes feitos com esforço coletivo, sem grana. São filmes em que sou extremamente grato aos meus amigos ou pessoas não tão próximas que fizeram comigo, porque, de fato, nascem do desejo, da vontade.
Greice foi uma encomenda da GLAZ. Diferentemente de Antônio Um Dois Três e do A Vida São Dois Dias, eu sabia que eu teria que escrever cinco versões do roteiro porque estava no contrato. A primeira, a segunda versão, eu não escrevi tão bem, porque eu sabia que teria que mudar depois, e teria de entregar um terceiro, quarto, um quinto roteiro. Eu não ia até o limite da coisa, não fechava, porque há espaços em que o filme precisava de respirar. Já que eu tinha que escrever um roteiro, eu precisava fazer com que a história fosse arejada o suficiente para que pudéssemos viver e modificar ela quando fosse a hora de filmar.
Desde sempre eu sabia que a Greice era uma menina preta. Eu não sabia quem era Amandyra, mas o que acontece é que um ano antes eu já sabia que a gente ia filmar e eu precisava finalmente colocar uma cara na protagonista. Em todos os filmes, eu escrevia personagens baseados nos atores e atrizes que iam interpretar, algo que eu faço até hoje e que eu adoro fazer. É muito legal se basear no tom de voz, no modo de se mexer, no timing das pessoas para poder fazer com que não só a personagem se eleve, como também quem a interpreta.
Um ano antes do Greice, a Andréia Pires me mostrou o Instagram da Amandyra. A Amandyra já estava trabalhando com a Andréia em dois trabalhos diferentes e eu tive a oportunidade de vê-la atuar em peças online e num curta-metragem ali na pandemia. Comecei a dar likes e um dia, quando eu estava indo para Fortaleza fazer a última versão do roteiro, falei para ela: “estou indo pra Fortaleza e queria fazer uma leitura”. Eu não faço teste de elenco. O que eu faço são encontros, às vezes bastante longos, com pessoas para eu conhecer elas. A primeira coisa que tem que acontecer é ser amigo, se gostar. Para trabalhar junto, é preciso saber se a gente tem a cabeça parecida. Num filme como Greice, em que ela tá quase todas as cenas, isso era absolutamente importante.
A gente marcou de se encontrar no posto da Draga enquanto ainda tava rolando a covid, então esse encontro tinha que acontecer num lugar público e aberto. Eu cheguei um pouco antes dela, sentei em uma banquinha, peguei uma água de coco e chegou uma mulher vendendo bijuterias de casca de coco. Ela começou a contar toda sua história de vida. Em resumo, ela estava juntando dinheiro para retornar a sua aldeia no Pará. Ela começou a contar com um enorme frescor como ela vendia aquilo, como os filhos dela estavam e como ela tinha saudade de entrar no rio. No meio dessa história, a Amandyra chegou. Ela sentou na minha frente e ela entrou também no fluxo da conversa com essa senhora e, de repente, a personagem da Greice estava ali. Eu poderia simplesmente não aceitar isso como um sinal, mas eu acho que se a gente não se abre para esse tipo de mensagem, qual a graça que a coisa tem? Qual a graça de fazer cinema?
Revista Descompasso: O que você falou é muito interessante e inevitavelmente dá para ver que é algo que se reflete não apenas nos filmes, mas no seu trabalho como um todo… Acho que essas coisas se misturam sempre — e que bom que se misturam. E é óbvio que tem uma influência muito grande de diversas artes no teu trabalho. Por exemplo, a gente falou de literatura, cinema… você falou da sua formação de teatro. Os seus filmes tem performance, vídeo, música, essa diversidade está muito presente. Mas tem uma coisa que, para mim, além disso tudo, é muito curiosa. Uma vez eu fui numa exposição do fotógrafo chileno, chamado Sergio Larrain, e ele viajava o mundo fotografando espaços e comunidades. Há uma série muito famosa que se chama “Valparaíso” que tem várias imagens que me lembram dos filmes. A gente falou de Cortázar, por exemplo, e é uma série [do Larrain] muito “Cortazariana”. Tem pessoas, sombras, duplos, espaços na fotografia que você não enxerga. E o Larrain fala, quase que no final da vida, que não queria mais fotografar, queria dedicar a vida apenas a desenhar. Aí volto pros seus filmes: acho que têm também uma presença muito forte do desenho. Acho que a grande sacada da coisa nos seus filmes é que o poema é também um desenho, os versos têm uma imagem, a palavra quebra e não continua a frase. Penso em Meio Ano Luz, que é uma coisa do desenho sendo incorporado na cena e a cena de algum modo respondendo ao desenho, quase como se você escrevesse o filme através do desenho.
Eu não sei o quanto isso interfere no teu trabalho ou como você pensa isso, mas tem uma espécie de ligação no teu cinema que vai além do desenho e está em filmes como Greice e Meio Ano Luz. Trata-se quase uma pegadinha na estrutura dramática: o personagem fala uma frase, mas ele não tá narrando necessariamente, ele está dizendo a frase como um texto. Ele está falando com a pessoa, mas aquilo que a pessoa está falando, de repente, aparece. A coisa vai se materializando. Isso tem a ver com essa bifurcação Cortazariana que falei, com a série do Larrain, com a própria ideia de desenho/palavra escrita que está muito presente nos post-its de Greice — lembremos que no filme as palavras são um código, uma senha. É como aquela cena do quiosque em Greice, onde a personagem reconhece o Afonso, um duplo dele, e então chega o táxi e materializa a cena que ela estava contando para esse duplo. Enfim, eu queria te ouvir um pouco sobre isso.
Leonardo Mouramateus: Se eu desenho alguma coisa, se eu assisto alguma coisa, se eu proponho um filme, é muito mais uma oportunidade de poder partilhar esse tempo e algumas ideias com pessoas que eu quero estar junto. No momento em que estamos juntos fazendo esses projetos, eles podem até nascer de minhas ideias, mas o filme carregará as suas caras, os seus tons de voz, mas também o acaso, as ausências, aquilo que não deu certo, pra além de tudo aquilo que cada uma das pessoas da equipe traz. Não só no sentido dos talentos, sabe? Tipo: “ah, é uma diretora de arte muito foda”, não. É no sentido daquilo que, de fato, foi possível nesse encontro, que passa do orçamento ao desentendimento.
Existe uma dimensão pouquíssimo assertiva do cinema que as pessoas, o público, a crítica, as escolas de cinema, acham que é extremamente assertiva. Quando você está lidando com uma pintura, um desenho,você está lidando com o acaso, mesmo que seja um retrato de algo que você está vendo. Não é sobre fazer o melhor traço que melhor representa aquilo que você está vendo. É sobre lidar com aquilo que foi feito, aquilo que arranhou o papel. A partir de agora eu não vou ficar apagando, tentando refazer, eu vou lidar com aquilo que foi feito. Fazer com que tudo se componha ao redor desse risco que foi traçado. Não é negar aquilo que aconteceu, é fazer com que o desenho seja o rastro de um acontecimento. Isso acontece igual no cinema, mas o cinema é muitas vezes tratado como um império do naturalismo, como um museu de cera.
O desenho pra mim é a coisa que eu menos penso quando faço. Desde criança, que o modo como me relaciono com o papel e a caneta não necessariamente parte de um rascunho, não parte de ficar pensando sobre as escolhas. Parte de lidar com o momento presente. Eu sinto que eu persigo a mesma liberdade com o cinema que eu tenho com o desenho. No cinema é mais difícil jogar com isso, mas no cinema eu posso compor com os traços de mais cinquenta, sessenta pessoas.
Fazer cinema é uma arte mais próxima do teatro e da dança. Tem haver com a sensação inevitável do presente que tem na dança. Eu tenho certeza que isso acontece no trabalho do Adirley Queirós e do Chaplin. O sabor e a beleza do agora, daquilo que tá acontecendo só neste momento, não no décimo terceiro take. É isso que mantém a coisa viva. O cinema pode ser tantas coisas, mas aquilo que mais me interessa é fazer com que o cinema seja uma experiência ligada àquilo que acontece no presente, aquilo que acontece no momento em que a gente tá junto.
Uma coisa é você ir em uma montanha e filmar a montanha. Para ir até a montanha, você precisa de uma câmera e de sapatos para subi-la. Tenho a impressão de que frequentemente estamos mais preocupados com a câmera do que com os sapatos, sem pensar que os sapatos, depois de 2 horas, é que vão fazer diferença quando você estiver lá em cima.
*Transcrição feita por Ana Júlia Silvino, Egberto Santana, Luiz Fernando Coutinho, Renan Eduardo e Rubens Fabricio Anzolin