Sample é abordagem

Frame do filme Ruim é ter que trabalhar, capturado para a crítica Sample é abordagme, publicada na Revista Descompasso.

Last Updated on: 21st agosto 2023, 08:54 am

O sampleamento é a técnica de utilização e manipulação de arquivos em uma nova composição artística, sejam eles de terceiros ou não. O ato de “samplear” está profundamente ligado ao processo de colecionar arquivos e transformá-los em amostras/samples. A reciclagem vista nessa técnica permite uma hibridez e um desmantelamento do que geralmente é considerado original e o que é cópia, assim como a categoria de originariedade, também expressa no conceito de propriedade intelectual, intrínseca ao capitalismo. A dissolução se dá por meio da utilização de arquivos externos, cedidos ou não, para as obras que utilizam desse procedimento. Podendo ser feita desde um ato de ressignificação à reapropriação tal qual os situacionistas faziam com o “détournement, traduzido como sequestro/desvio. Ao mesmo tempo que pode dissolver essas fronteiras, o samplear abre espaço para uma arqueologia das mídias e dos símbolos ali dispostos a partir da rastreabilidade de seus arquivos, sejam eles mais aparentes ou ocultos 1, ou por sua impossibilidade de acesso. Assim, encaro aqui a manipulação do arquivo e sua citação não como uma ode a genealogia, mas como possibilidade de valorização da partilha que existe nas trocas culturais e sua relação sensível capaz de ampliar a vida do arquivo e seu posicionamento “poiético” contrário a propriedade intelectual.

Nesse sentido, há uma operação no sampleamento que relaciona as diversas temporalidades dispostas nos arquivos em um outro modo espaço-temporal, seja nas artes sonoras, nas artes plásticas ou nas artes audiovisuais. Essa modalidade pode ser vista pela referência direta ou indireta das imagens e sons colecionados e alegorizados pela montagem, ou pelas citações referenciadas internas na narrativa e nos créditos. O sampleamento ou amostragem pode ser visto em diversas operações estético-discursivas, como o desvio, a restituição, a mixagem, etc… Por conta dessa amplitude, pretendo aqui relacionar o sampleamento fílmico com o sampleamento musical visto na mixagem de Kl Jay e VHOOR, no Reggae de Lee Scratch Perry e Max Romeo & The Upsetters e no Funk de Dj Cabide e DJ RaMeMes, por exemplo, onde os arquivos ali utilizados agem dialogicamente ao todo.

Nessa chave de composição onde a manipulação do arquivo, sua citação e recombinação dialogam com o todo fílmico e realizam a preservação através da partilha cultural, os filmes curta-metragens de Lincoln Péricles:  Aluguel: O filme” (Lincoln Péricles, 2014), e Ruim é Ter que Trabalhar” (Lincoln Péricles, 2015) habitam uma perspectiva de “Cine-sample” 2, onde o sample se equipara a batida musical, e proporciona uma base que dialoga com o discurso. Ambos os filmes utilizam com bastante presença imagens e sons alheios em suas montagens, mesmo que não sejam inteiramente filmes de arquivo preexistentes.

Aluguel: O Filme inicia com uma imagem em baixa resolução do conjunto habitacional (Cohab) Adventista e uma voz off em francês do filme Longe do Vietnã” (SLON – Sociedade para o lançamento de novas obra, 1967) com a legenda em “pretuguês”  3 que retorce o sentido original do arquivo sonoro sampleado. A legenda retorcida, logo na segunda linha, fala sobre o cansaço da insalubridade da exploração trabalhista, da mobilidade urbana, dos abusos autoritários dos patrões e da polícia, servindo como um índice do discurso fílmico. Em seguida, a cena é interrompida por uma música do seriado Chaves 1973 – 1992, (Roberto Bolaños) e abre espaço para uma cartela com a frase do mesmo seriado: “Não existe trabalho ruim. O ruim é ter que trabalhar”4 que antecipa o título do filme. O arquivo aqui citado serve como reforço estético-discursivo, o sample audiovisual age como um loop de batida musical, criando atmosfera e reforçando o desgaste da relação trabalhista.

Seguido da cena supracitada o curta é fragmentado por meio de sequências anunciadas pelas cartelas: “Merda”, “Trampo” e “Bom dia Vietnã, boa tarde Capão”, respectivamente. O texto inicial introduz as questões que percorrem todo o filme: precariedade habitacional decorrente do aluguel e a exploração trabalhista. Essas questões são atravessadas pela falta de água na Cohab Adventista por meio da encenação filmada pelo realizador onde o protagonista, um técnico de fotografia do audiovisual, planeja se mudar em decorrência da insalubridade, recorrente há 20 anos no local. A encenação que mobiliza a discussão fílmica é realizada tanto por diálogos dos personagens quanto por meio das suas movimentações. Soma-se a isso a ambientação do espaço filmado que demonstra a escatologia cotidiana dessa precariedade, onde planos de bosta estagnada no vaso e pia repleta de louça suja são exemplos. Tais encenações são montadas ao lado de arquivos “sampleados” de cenas do episódio de Chaves: “Falta Água, Sobram Problemas” (1977) e de músicas que articulam durante o filme um reforço das problemáticas anteriormente citadas, assim como também criam atmosfera para as cenas.

Aluguel: O filme preserva o longa Longe do Vietnã mesmo desviando o seu sentido original da fala em francês, através da legenda retorcida na cena inicial. Lincoln preserva-o ao trazer o filme como memória utilizada como sample e também por citá-lo nos créditos, estendendo a sua vida ao ampliar seu rastro à fonte original. A conservação do arquivo é feita de uma maneira similar a de músicas eletrônicas, como o rap realiza no ato de “samplear” outras, evocando e preservando as músicas colecionadas. A operação em questão de preservação, citação e resgate não está necessariamente ligada em uma valorização positiva da mesma. O próprio filme de Lincoln utiliza os arquivos sampleados para relacioná-los às discussões desenvolvidas no filme ao invés de utilizar a amostragem como uma forma de homenagem às obras recolhidas. E, mesmo que este ou outro filme trouxesse determinados arquivos para criticá-los, a preservação, como encaro aqui, dos filmes e dos arquivos, é um processo que nos permite debruçar nas questões ali envolvidas, independente de qualquer regra moral/estética pré-determinada. Quero dizer aqui que a defesa da preservação de arquivos não é a de manter seus discursos, mas sim de compreender a sua existência no mundo, seja para contextualizar historicamente ou discutir suas questões. Dessa maneira, a evocação dos arquivos, seja pela reafirmação ou pela diferença, gera um terceiro lugar, uma mistura heterogênea que é presente pela distorção dos arquivos colecionados e as diversas texturas de imagens e sons; um terceiro incluído que não exclui as diferenças.

Nesse sentido de abraçar as referências, recontextualizando-as, o ato de trazer o Seu Madruga como citação carrega não apenas o que está contido na imagem/texto em si, mas também o seu contexto de personagem, pai solo desempregado que vive com o aluguel atrasado, que está enraizado no imaginário popular brasileiro. A referência deste código transcende ao discurso incluído na cena para as possibilidades que aquela imagem ganha enquanto vida de seu contexto prévio. Desse modo, invocar a imagem deste personagem extremamente popular, em vários sentidos do termo, é um modo de exclamar a sua produção artística como algo situado dentro de um regime de signos que comunica de forma ampla. ​​Ao mesmo tempo, este ato de preservar tal arquivo permite uma sobrevida para o mesmo, pela possibilidade de ampliação de sentido que a obra sampleada ganha por meio da relação estabelecida pela montagem.

Para além do processo de preservação dos arquivos, em “Merda”, o tema da falta de água é enunciado pelo trecho selecionado do episódio de Chaves, assim como em outros processos de encenação. Um desses gestos é uma cena montada a partir de uma trilha musical de Livio Tragtenberg  5com uma série de planos que nos aproxima da situação da falta de água no Cohab e a estagnação desses personagens dentro da precariedade abordada no filme. O conjunto de planos nos aproxima da força escatológica da precariedade, reforçada por um saxofone mais agudo e freneticamente executado na trilha que remete a uma nuvem caótica de moscas/insetos. A cena inicia por um plano médio com Tilt down do lado de fora do banheiro e adentra para o banheiro com um outro plano de um zoom in lento de um detalhe datorneira. O plano seguinte de uma descarga apertada sem eficácia pelo protagonista nos leva a um primeiro plano de seu rosto subexposto em silhueta que cospe catarro até que chegamos na intimidade do problema, um plano detalhe do catarro e merda represados no vaso sanitário. Assim, mantemos por um instante até que o saxofone seja interrompido por uma ventania que anuncia uma tempestade, justaposta por uma chuvarada que aumenta o contraste entre dilúvio e escassez. 

Nesse sentido, Lincoln orquestra dois movimentos de sampleamento, um interno da encenação e o outro externo, com o uso de arquivos de fora da cena gravada por ele. O movimento externo, se dá pela consonância dos elementos colecionados que agem como uma narrativa em abismo (Mise-en-abyme6) de sample ou um “meta sampleamento”, onde inserção dos materiais de arquivo em justaposição a encenação reforçam o sentido imposto. Já o movimento interno está em um jogo semiótico no filme, onde certos elementos do cenário, desde outdoors à gotas de chuva são reaproveitados/reapropriados simbolicamente na encenação. Dentro da ordem encenada, esses elementos se transformam em amostras/samples. O sentido parece operar pelo, no e/ou para o desvio do sentido original do conteúdo utilizado, por meio de um contraste. Exemplo, há uma cena constituída por um plano onde por uma janela temos uma sobreposição das gotas de água. Nela, vemos também o reflexo do protagonista conversando com seus amigos em um tom naturalista, sobre a sua vontade de sair de casa para um outro lugar com água, da sua precariedade e desigualdade de sua mais valia enquanto “levantador de tripé” em relação aos produtores e diretores. As gotas e a chuva são apropriadas semioticamente em contraste com a falta da água vivida pelos personagens. Há uma separação entre natureza e existência. Aliás, como pode faltar água tendo tanta chuva lá fora? Da mesma forma, não faz sentido o aluguel no meio de tanta propriedade desocupada. O problema não é o recurso, mas sim a sua distribuição. Assim, da merda vamos ao trampo.

Em “Trampo”, uma série de planos de trabalhadores em estação de metrô e nos vagões lotados enfatizam a opressão apresentada previamente pelos personagens, assim como pelo texto contido na legenda e na citação. Da mesma forma que as gotas de chuva agem como um sample, a repetição temática aprofunda na reincidência dessa rotina abusiva, agindo como uma espécie de tema sonoro. Nessa sequencia, temos um plano que compõe um dos personagens sentado no metrô com um cartaz promocional do filme 12 anos de escravidão (Steve McQueen, 2013) ao fundo. Para além da associação entre a escravidão e a exploração trabalhista, há uma operação em vespero aqui de uma relação racial. Lincoln Péricles mobiliza os signos para a sua briga de classe e opera no desvio da escravidão incialmente negra para a situação geral dos trabalhadores super explorados. O devir negro no mundo aparece nessa operação. 7

O desvio, técnica dos situacionistas (1958), é uma prática que visa uma ressignificação pela cirurgia dos elementos sampleados, é uma ferramenta que opera na mescla estética, não como finalidade, mesmo que ainda seja aterrado por uma compreensão semiótica. O curta por um lado usa o desvio como técnica de apropriação funcional de seus processos fílmicos, ao mesmo tempo que também devolve e amplia sentidos para alguns desses arquivos.

Frame de "Aluguel: O Filme" (2014), capturado para ilustrar a crítica "Sample é abordagem", publicada na Revista Descompasso.
Frame de “Aluguel: O Filme” (2014)

Dessa forma, a repetição do discurso age como uma espiral e looping das batidas, é espiralar. Assim, descemos nessa escada caracol direto ao inferno da precariedade, para a sarjeta do mundo, onde o arquivo sonoro e visual expropriado ou gravado são amostras desse mundo.

A partir dessa espiral, dessa repetição renovada, Ruim é ter que trabalhar repete alguns gestos de Aluguel: O Filme como a citação de seu madruga – que agora dá título ao filme -, as paisagens do Capão Redondo, os sampleamentos, a utilização da música de Livio Tragtenberg e a hibridização do dispositivo entre documentário e ficção. Ambos os filmes parecem agir no dispositivo documental, mesmo que habitem a escrita ficcional. Por mais que a definição em si não importe, o “entremeio” dessa linguagem mobiliza esse turbilhão indefinido. Mesmo que os dois filmes utilizem elementos e ferramentas similares e as suas discussões passem pelo mesmo problema, a exploração e opressão de classe, os dois filmes são esteticamente diversos. As diferenças podem ser vistas desde a narração em off de Ruim é ter que trabalhar até a sua articulação entre foto still e vídeo monocromático ou pela entoada naturalista da mise-en-scène naturalista de Aluguel: O filme, que é articulada com o remix de Chaves.

O desvio também pode ser visto na acusmática das imagens e sons, ou seja, o desligamento da relação entre fonte e emissão, entre origens e elementos sonoros em si e da utilização de arquivos imagéticos externos alheios as cenas gravadas. Assim, o deslocamento de uma especificidade naturalista de representação na encenação de Ruim é ter que trabalhar dá base para o áudio narrado e possibilita que a manipulação visual e rítmica dos arquivos criem força pela sua relação distanciada, pelo desligamento audiovisual, e permite a sua recriação. 

O curta inicia em silêncio por um minuto com a imagem de um senhor branco ensaiando ou treinando a posição de goleiro. Há um sampleamento desde a intro e a cartela de título que é justaposta por essa imagem colecionada ganha poder de deslocamento e estranhamento de uma objetividade do discurso. “Qual o sentido dessa imagem?” Algo se desestabiliza nesse início, mesmo que posteriormente a relação com o futebol, trabalho e acesso ao mesmo vão revelando um pouco mais esta imagem, mesmo que ainda sem uma inteligibilidade direta. Por outro lado, a música A Lei do Opressor (500 anos) de DMN, grupo de rap do final dos anos 80 de São Paulo, rompe o silêncio da cena e produz uma outra dimensão sensorial. Imagem e som se contrastam pelo tom marcial que a trilha impõe em relação a imagem do senhor. Aqui fica evidente a montagem dialética entre sons e imagens que o sampleamento e o remix permitem e expandem. O confronto de diferentes origens de arquivos produzem este novo sentido e sensorialidade, independente da sua inteligibilidade objetiva ou abstrata, a música induz um conflito. 

Na sequência, há uma paisagem em grande plano geral do Capão Redondo e o que aparenta ser o centro da cidade de São Paulo no plano de fundo. O ritmo do plano é desacelerado, de modo que a manipulação só é evidenciada por conta de um simples elemento visual, um avião que sobrevoa lentamente no fundo e seus frames de intervalação são revelados. A manipulação do plano age de forma similar a um sample musical, onde o seu bpm – batida por minuto – é alterado para encaixe estético nas músicas eletrônicas que usam amostragens e remixagem como instrumento.

O filme é narrado por um personagem interpretado por Adriano Araújo sobre o seu trabalho nas obras de um estádio para a Copa do Mundo de 2014. Ao lado da narração, a trilha incidental, as imagens de arquivo de movimento urbano, as entranhas da construção do estádio e as fotos de Adriano Araújo no translado complementam a narração sem ilustrar o que está sendo dito. A mescla entre sample e captação original fazem as amostras serem mais que um mero resgate de arquivo, é material de composição que possibilita uma outra relação que expande o sentido original. Essa outra relação é a dialética da remixagem audiovisual que age como um “entremeio” de memória e matéria, de fantasma e carne.

Nessa mescla audiovisual há uma alternância de atenção entre imagem e som ao longo do filme. Há momentos em que as imagens criam espaço para a narração em off, funcionando novamente como uma espécie de beat como base para os vocais de uma música, como um boom bap, por exemplo. Já em outra sequência a trilha sonora abre espaço para as stills do personagem de Adriano Araújo cantarem. Essa alternância de atenção não é uma hierarquização dada aos elementos humanos, pois os elementos audiovisuais dos humanos e objetos se complementam em uma cadência rítmica de atenção harmônica. Nesse sentido, retomo, o sample neste filme não é direto. A amostragem situa o personagem, o trajeto do trabalho e o trabalho em si, sem serem ilustrações dos sons e do texto narrado. Os elementos que constituem a atmosfera do filme não estão ali de maneira abstrata e não só metafórica, mas suplementam a mise-en-scène dialogicamente. 

A trilha musical concreta de Livio Tragtenberg é mais um reforço do processo de amostragem que Lincoln Péricles faz. O recorte dos sons industriais das britadeiras funcionam da mesma forma que na sequência da “merda”, utilizada em Aluguel: O filme. A utilização desses recortes amostrados e colecionados em sobreposição e justaposição na montagem dialogam entre o tipo de montagem de arquivo que Lincoln faz com a música eletroacústica, vista na música concreta e na música eletrônica encontrada no rap, funk e no reggae. Som e imagem se deslocam; sentidos se renovam; arquivos se descolam e se religam a outras imagens para no fundo agirem coletivamente em consonância ao discurso ali apresentado. Para além da perspectiva metodológica que Lincoln dialoga e utiliza como amostra/sample, a composição dos arquivos como sample e dessas músicas servem para ambientar o humor da cena. É discurso e estética na veia. A seriedade e tensão destes elementos ditam o ritmo e gritam: Trabalho! A música concreta, industrial ao lado da fotografia chiaroscuro e da montagem criam um filme brutalista. O filme é seco e diz sem muito polimento, porém com uma estrutura interna muito bem arquitetada, viva, funcional e expressiva.

Samplear é expropriar. E expropriar dentro de um sistema opressivo como o capitalismo se faz necessário para confrontar as dinâmicas de poder, seja no campo virtual ou no campo material. Não é a toa que Lincoln traz o roubo como abordagem em outros filmes, seja pelo curta Filme dos Outros (2014), onde há uma articulação de arquivos retirados de câmeras e celulares roubados no qual a própria ideia de memória e imagem pessoal é confrontada, quanto pela utilização do jargão anarquista de Proudhon de que a propriedade é um roubo em “Filme de aborto” (2016). Assim Lincoln desloca a ideia moralista de roubo reforçada no capitalismo para pensar eticamente os direitos básicos furtados na luta de classe. O cineasta utiliza o sampleamento como ferramenta para diferentes propósitos, mesmo que toquem profundamente nos problemas de classe e as temáticas que isso possa envolver. 

Nos dois filmes, o sample surge como um reforço ético da temática dos filmes, ao mesmo tempo que em Aluguel: O Filme a utilização de imagens mais facilmente reconhecíveis ajudam a relacionar e adentrar a discussão. A referência intertextual é parte do jogo da apropriação. Já em Ruim é ter que trabalhar, as amostras aprofundam a performatividade da montagem e a atmosfera como um todo. De todo caso, a utilização dos diferentes sampleamentos, seja pela referência direta e simbólica ou pela performance estética, estão intrinsecamente ligados com uma musicalidade negra digital, influente na montagem e no uso dos samples. A sua relação com o rap e sua métrica é vista nesses filmes, onde há uma cadência de boombap no seu fluxo como em Sabotage, Racionais, DMN etc… O uso do sample é uma via de mão dupla, da mesma forma que seus filmes são políticos, eles politizam os arquivos, preservando-os, ressituando-os, destituindo-os e valorizando-os. Se o rap é compromisso, o sample é abordagem.

 

Autor

  • Lucas Honorato

    Graduado em Cinema de Animação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Mestrando em Comunicação e Cultura no PPGCOM da UFRJ. Orientado pela Prof. Dra. Liv Sovik. Pesquisa curadoria do Cinema Negro brasileiro, cinema de arquivo e estética da remixagem audiovisual. É curador freelancer, realizador audiovisual e pesquisador de cinema, comunicação, raça e etnicidade.

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  1. Plataformas como a Who Sampled agem como uma ferramenta de preservação da memória das músicas sampleadas.
  2. Termo criado por Ana Júlia Silvino em seu texto O cine-sample de Lincoln Péricles“, publicado na Revista Cinética
  3. Termo cunhado por Lélia Gonzalez no ensaio  Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira. O artigo onde ela menciona o termo se encontra online no site Outras Palavras, sob o título Para compreender a “Améfrica” e o “pretuguês”
  4. Citação de Seu Madruga, personagem do seriado.
  5. Compositor e saxofonista paulista que produz músicas instrumentais, sinfônicas e eletroacústicas. Lincoln Péricles utiliza trilhas do Livio nos dois filmes aqui discutidos.
  6.  Conceito criado por André Gide que pode ser traduzido como narrativa em abismo e consiste na repetição estética e/ou narrativa de um certo elemento dentro de outro. É um looping abissal como uma boneca russa, um espelho dentro de um espelho e um sonho dentro de um sonho. O conceito é visto em diversos campos artísticos, como na pintura As meninas de de Diego Velázquez, 1656 e na literatura de As Mil e Uma Noites.
  7. Devir Negro é um conceito de Achille Mbembe, onde o filósofo situa a condição do negro, enquanto diferença inferiorizada e explorada, sendo expandida cada vez mais para o restante do mundo.