Vozes ao longe: retratos monocromáticos

Last Updated on: 1st outubro 2023, 05:01 pm

‘Llamadas desde Moscú (Luis Alejandro Yero, 2023) é um filme dramaturgicamente simples que já em seu título indica seu artifício basilar. Chamadas de Moscou, em livre tradução, acompanha um grupo de jovens cubanos auto-exilados na Rússia dentro de seu apartamento, que recebem e dão notícias de sua terra natal por meio de dispositivos celulares. O longa dispõe da câmera fixa e da pouca movimentação que, apesar de sua curta duração (75 minutos), suspende a ação de seus personagens e dilata o tempo daquele pequeno espaço. O procedimento é interessante e delega para o som das chamadas e para as telas dos celulares alguma movimentação para as cenas, de modo a contrapor o estado de inércia daquele grupo de jovens. O tempo frio, o clima nevoso e a luz azulada do sol dizem respeito a um  ar melancólico que paira por toda a projeção.

As notícias, chamadas e as vídeo-chamadas que chegam de Cuba para dentro daquele apartamento em solo russo estabelecem um distanciamento geográfico, continental nesse caso, entre a imagem e o som que compõem a dimensão cênica de ‘Llamadas desde Moscú. Para além da fixidez de sua câmera, há uma força gravitacional que atrai todos os elementos para os limites interiores à mise-èn-scene. A tensão entre o quadro e o fora de quadro quase não se manifesta aqui, pois são apenas alguns componentes que ultrapassam esses limites imagéticos. Nesse sentido, o filme é pouco virtuoso em sua relação a seus artifícios extra-diegéticos: tudo aquilo que vemos e ouvimos opera na dimensão interna ao quadro, sendo esta mediada por outros dispositivos. Os personagens, portanto, estão confinados no espaço e no tempo, em um limbo onde suas ações se repetem várias e várias vezes sem nenhum efeito dramático.

Frame de ‘Llamadas desde Moscú

De modo similar a esse confinamento monoespaço-temporal que a obra se encontra, o filme delega aos personagens uma função monotemática que varia em quase nada a condição de auto-exilados em terras estrangeiras. Toda subjetividade queer daqueles jovens ou qualquer assunto que escape da tese do longa é imediatamente apaziguado para que, de algum modo, o governo cubano seja criticado. Nesse sentido, ‘Llamadas desde Moscú é quase um filme-tese para condenar os governos cubanos e russos de maneira simplista, didática e, por vezes, até conspiracionista. Toda a transgressão queer que já provocou rasgos na imagem e desestabilizou a ordem natural das coisas, como em Pink Flamingos (John Waters, 1972) ou Johan, journal intime homosexuel d’un été 75 (Philippe Vallois, 1975), são apaziguadas para que o diretor defenda sua leitura política sobre países que, segundo ele, são “ditaduras capitalistas de estado”. A rebeldia que havia na liberdade sexual e afetiva entre comunidade homossexual de Vallois ou a estética violenta do desbunde de Waters cedem espaço para uma monótona clausura e impotência. Yero até busca umas brechas com seus personagens performando para o TikTok, mas a suspensão e dilatação do tempo dão lugar a comentários políticos rasos e o potencial subversivo da arte queer é deixado de lado para que o filme se justifique, constantemente, como politicamente relevante e vanguardista.

Autor

  • Renan Eduardo

    Crítico de cinema e pesquisador. Bacharel em Cinema e Audiovisual pela PUC Minas e mestrando em Comunicação Social pela UFMG. Atualmente, é editor e redator da Revista Descompasso.

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