Certos homens a oeste de Goiás

A Mostra de Cinema de Tiradentes selecionou Oeste Outra Vez (2024), de Érico Rassi, como parte de uma mostra denominada Vertentes, composta junto ao filme Sem Vergonha (2024), de Rafael Saar, dedicada a “filmes que se integram às narrativas da história da arte para rever os gêneros aos quais se remetem explicitamente”. O título do filme de Rassi exemplifica bem a questão de tornar a referência explícita, não só sua filiação ao gênero do faroeste, mas também a sua tônica passadista: trata-se de um filme sobre homens que, de alguma maneira, não conseguem se atualizar ou deixar o passado e o ressentimento para trás. É o espectro desse passado, sua imagética frágil, que parece centrar o programa da obra sobre seus personagens.

O universo de Oeste Outra Vez, ambientado no interior de Goiás, é inteiramente masculino com uma única exceção vista apenas na primeira cena: a personagem interpretada por Tuanny Araújo, mulher disputada por Totó (Ângelo Antônio) e Durval (Babu Santana). Ela sai em silêncio do carro de Durval depois que os dois homens começam a brigar por ela e, em seguida, desaparece ao fundo do plano. De imediato ela cruza a fronteira que parece aprisionar os personagens masculinos durante o restante da projeção, sendo esta uma imagem aplainada, de baixa profundidade, que submete os corpos a um achatamento. O filme, mesmo feito com um certo grau de refino técnico de uma produção da retomada, possui uma disposição de elementos bastante simples. Em várias cenas, Rassi prefere manter seus homens imóveis, muitas vezes sentados. O diretor também opta por colocá-los de modo geometricamente simplista, quase sempre de frente ou de perfil, com o fundo se dissolvendo no desfoque ou em uma parede. 

Assim como os espaços que os personagens habitam, esses homens quase nunca são vistos como pessoas plenas. Além de terem sua individualidade posta em questão (seus ressentimentos são quase todos vindos de amantes que escolheram abandoná-los), eles parecem ter uma carência fundamental na representação de sua fisicalidade, sua condição viril no que ela teria de mais carnal. Há uma impotência fundamental sobre eles, tanto que Totó e Durval chegam em um ponto em que eles precisam terceirizar a violência por meio de assassinos de aluguel (eles mesmos um tanto incompetentes).

O interesse por aplainar essas figuras e os cenários, reconfigura vários dos expedientes associados ao faroeste spaghetti (o widescreen, os zooms, os silêncios) de maneira a se virarem contra seus personagens centrais. Se antes os homens eram heroicos em suas demonstrações de força, agora eles são patéticos e impotentes. Se antes eles podiam se situar em um espaço claro onde o perigo era imediato e palpável, agora eles se esforçam muito para se fazerem sangrar, ou talvez, dar carne ao corpo aplainado.

O interesse de Oeste Outra Vez vem mais desses expedientes formais postos em outra função, menos heroica, mas também menos tensa. O retrabalho de referências chega a suplantar variações emocionais que tipicamente veríamos em um faroeste. Os momentos de silêncio não sugerem a iminência de algum perigo, pelo contrário, servem mais para insuflar o tempo e confrontar esses homens passionais com momentos de inatividade. São homens que não só carecem do afeto que tanto procuram, mas também de alguma satisfação catártica na violência que exercem. Porém, é na modulação emocional que Oeste Outra Vez parece se colocar em um terreno delicado. As emoções também são comedidas e estancadas à maneira da masculinidade que comenta: elas estão lá, mas se seguram na surdina. É um filme que parece privilegiar o que ele tem de “sutil”, não exatamente o mais masculino dos atributos, em detrimento da obviedade da ação. Mas a noção de sutileza pode ser complicada de delinear, não se enche um filme delas sem o risco de deixarem de serem como tais — a exemplo de um momento em que o personagem de Rodger Rogério, um dos matadores de aluguel, se penteia diante de um caco de espelho, ou nas cenas dedicadas a mostrar-lo atirando a esmo com sua espingarda (um gesto de demonstração inútil de força).

No comentário que faz a um ideal masculino autodestrutivo, Rassi coloca o filme para andar na trilha repetitiva de suas figuras, com a frustração e a impotência sendo constantemente reiteradas e delongadas. Depois da figura feminina ter recusado o jogo logo de início, ficamos à espera de uma progressão ou algo que possa nos tirar do ciclo de virilidade frustrada. Vemos então mais e mais contemplação melancólica e simbolismos “sutis”. Ficamos, enfim, com o lema titular do “outra vez”.

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