Pênis duro, pênis mole, flácido, veias de pênis, silhuetas de pênis, pênis em pé, pênis deitado, pênis murcho, fofo, torto, pênis de plástico e de carne, pênis macio, desenhado pela luz, dentro do cu, fora de campo, pênis teso, balançando como um pêndulo, atrás da cueca, massageado, masturbado, chupado, pênis gozado, pênis rijo, vigoroso, em close-up, pênis imaginário, sonhado, desejado. Festa do pênis, mostra de cinema do pênis. Toda liberdade a ele, resplandecente e majestoso. Com a condição, claro, que a sexualidade de sujeites trans se mantenha fora do parque de diversões – isto é, fora da imagem pornográfica –, instalada e celebrada na zona segura das calças e dos sutiãs.
Parque de Diversões (2024), dirigido por Ricardo Alves Jr. e escrito por Germano Melo, reúne uma trupe de atores e atrizes no Parque Municipal de Belo Horizonte para uma “coreografia erótica e pornográfica”, na palavra dos autores. A força dos intérpretes, que se entregam carnal e fatalmente ao jogo proposto pelo filme, não nos distancia da impressão de déjà vu que suas imagens aparentemente revolucionárias escondem. Essas figuras que se embrenham na noite de seus prazeres nos fazem lembrar de filmes como As Ilhas (2017), de Yann González, de Vagalumes (2021), de Léo Bittencourt e, sobretudo, de Liberdade (2019), de Albert Serra.
Diferenças existem, claro. Peguemos o exemplo do último: enquanto Serra se entregava a um exercício plástico que posicionava seus personagens – homens e mulheres de uma aristocracia francesa do séc. XVIII – em tableaux vivants de uma floresta escura, Ricardo Alves Jr. prefere a câmera que se move e acompanha os corpos banhados em luz neon. O dispositivo distanciado do primeiro, que só eventualmente flagrava as sodomias praticadas pelos atores em plano próximo, é substituído, em Parque de Diversões, por uma câmera que se aproxima dos atores e os recorta. Enquanto a decadência embolorada de uma classe fornece o tom do primeiro, a libertação pop de corpos dissidentes parece guiar o segundo.
O prólogo de Parque de Diversões, que dura aproximadamente dez minutos, nos apresenta alguns de seus personagens principais. Corpos circulam a área externa do Parque Municipal como se participassem de uma conspiração coletiva. Inquietos, caminham olhando constantemente para trás, na expectativa de algo ainda incerto. Após romper o cadeado do parque, a personagem de Vina Jaguatirica inaugura a coreografia do cruising – errâncias, translações, boquetes, duetos musicais, beijos gregos, raspagens, dinâmicas de dominação, golden showers – que veremos na próxima hora de filme.
Na última cena do prólogo, um corpo nu é flagrado de costas, movendo as nádegas para frente e para trás. Um rosto surge atrás da cintura e convida um dos espectadores da cena para se juntar ao boquete. No fundo da banda sonora ouvimos os ruídos do engasgo, do contato do pau com a língua, da saliva babando a glande. Ruídos molhados, magníficos, que são no entanto abafados pela presença massacrante de uma trilha musical que a tudo padroniza. O restante do filme continuará frustrando o som direto ou diegético por meio da utilização invasiva das músicas. Nada mais óbvio, afinal, do que um filme “coreográfico” que se alimenta delas para dar a ilusão de que os corpos dançam enquanto fodem. André Bazin dizia que a montagem é proibida quando a essência de um evento dramático depende da simultaneidade de duas ou mais ações no plano. Parque de Diversões nos faz querer reformular a máxima baziniana: quando o tesão de uma cena depender do som direto, a trilha musical está interdita.
As relações entre imagem e som – sua coreografia – são geralmente tautológicas. A música, quando não é invasiva, vem sempre corroborar a imagem ou lhe fornecer uma camada redundante de sentido (a ideia de revestimento de piso não está muito distante: garantir a proteção ou a decoração da pista das imagens). Em vez de atenuar ou tensionar, ela enfatiza em prol da “experiência sensorial”. A coreografia dos corpos, por sua vez, os revela menos livres do que aparentam, dificilmente escapando às linhas traçadas pela câmera. Nada transborda ou se liberta do império do cinema, tão presos estão esses corpos ao que a câmera pede deles.
A imagem do carrossel em Parque de Diversões faz pensar nesse formato que o Instagram popularizou e que faz desfilar diferentes imagens não necessariamente relacionadas. Se o filme parece trabalhar com (hot) takes instagramáveis, lisos e sem ruído, nem por isso não reconhecemos uma estrutura que organiza essas imagens. Uma estrutura em três atos que mimetiza a organização de um sexo padrão: primeiro as preliminares, depois a penetração e enfim o gozo. Um protocolo. Mesmo as práticas “contrassexuais” da primeira parte são reinscritas na ordem. O sêmen jorra e o filme acaba.