Last Updated on: 28th agosto 2023, 03:28 pm
Esse texto se estrutura em rascunhos para dialogar com o filme O trabalho enobrece o homem (Lincoln Péricles, 2013), se apegando a ideia de repetição trabalhada no curta-metragem. O pensamento como função infindável que se transfigura, assim como o trabalho. Abro, portanto, o meu bloco de notas:
1. Sinto que o que o filme tenta fazer é dar conta da ideia de trabalho como elemento circular. Em todos os empregos da protagonista, a noção de repetição é subscrita. O curta-metragem acompanha o deslocamento da personagem no mundo, evidenciando como ela se mantém apática em relação a tudo. Pela limitação do movimento constante e repetitivo da função do trabalho, não lhe sobra tempo para se envolver em outras funções. A movimentação do filme demonstra os trabalhos que a personagem se envolve em sua rotina, comprovando a própria repetição como alusão ao gesto fabril. Um exemplo muito claro disso se desnuda em uma passagem na qual o projecionista de um pequeno cinema, onde a protagonista faz um bico, ensina o funcionamento do maquinário de projeção, que funciona sob a lógica do sequenciamento: depois de um filme vem outro, depois outro, e outro e assim sucessivamente.
2. Um fio do filme, redução a um elemento, um único gesto. Poderia ser ele a questão da mescla de materiais? Da metalinguagem? Ou a própria polissemia? Seria algo abstrato, como o movimento, transposto em algo palpável?
3. Penso na linha coesiva do filme como uma ideia de associação entre materiais distintos. O acionamento do desgaste através da impossibilidade da fuga do trabalho, da repetição fatigante. Rotina inescapável. A função de vendedora em uma loja de roupas, depois a de secretária, o bico de projecionista no cinema local; fragmentos de rotina que justapostos geram uma sensação cíclica. Encargos diferentes, procedimentos semelhantes. Tudo colabora para chegar ao mesmo lugar: a dinâmica do trabalho. A protagonista não é nada além de uma máquina projetada, cuja única função é não parar de funcionar.
4. PERGUNTA: O trabalho enobrece o homem?
RESPOSTA: Ruim mesmo é ter que trabalhar
5. Silêncio abundante. Sentada dentro de um ônibus, a protagonista parece passar por uma espécie de catarse. Ela não possui mais nenhuma associação direta com o mundo em que foi inserida. Nada daquela realidade de desgaste a acompanha depois da jornada de trabalho.
Paz?
Talvez por mais algumas horas antes que tudo recomece.
Ela encara o horizonte, a selva de pedra. Os sons indicam que o expediente de trabalho de outros corpos ainda não terminou.