O cine-sample de Lincoln Péricles

Last Updated on: 13th setembro 2023, 10:52 am

Lincoln Péricles (vulgo LKT) é um cineasta morador do Capão Redondo, no extremo sul da cidade de São Paulo, que está a mais de 15 anos envolvido em trabalhos audiovisuais. LKT é diretor, roteirista, produtor e, sobretudo, montador. Também está envolvido nos seguintes coletivos: Basquete e Autonomia, Rango de Classe, ZICAA (Zona Integrada de Cinema e Autonomia Audiovisual) e a Astúcia Filmes, um grupo de realizadores de quebrada que colaboraram em produções na última década. Além disso, Lincoln é um pensador e pesquisador de cinema, tendo produzido dois textos que são referência para pensar o cinema brasileiro contemporâneo: “Por um cinema pedreiro”, um manifesto cinematográfico em que LKT explica a revolução de um cinema aprendido nas ruas, publicado originalmente na revista Zagaia, e “Periferia da Imagem Periférica”, onde o realizador parte de uma situação pessoal para falar sobre as estruturas nocivas do mercado e do cinema hegemônico, disponível na Wiki Favelas e originalmente publicado no site Outras Palavras.

A filmografia de Lincoln Péricles é atravessada por uma questão central: a ideia de comunidade como um tipo de identidade social, geográfica, estética e acadêmica. Em seus filmes, LKT ensaia no território a poética da função e, através da música como artifício técnico de montagem, compõe uma diss track endereçada ao sistema. Aqui, entendemos função em seus vários significados de gíria: missão, roubo, trabalho e demanda. Função como movimento, propósito que não cessa e que se mantém por gerações. Uma proposição estética que existe nas casas, nas esquinas, no transporte público, na feira de domingo e dentro das fábricas, constantemente ameaçada pelo olhar sanguinário da vigília. Ruídos construídos que não possuem precedentes quando pensamos em imagens, mas que são reconhecíveis quando associados ao grave das caixas de som nos bairros, ao confronto cara-a-cara das batalhas de rima, ao ruído do X1 de grau de moto e ao compasso rítmico das produções da música hip-hop.

Entre as várias possibilidades de leitura do cinema de Lincoln Péricles, temos o cine-sample, um termo oriundo do conceito musical de sampleamento (a transposição integral ou em partes de um registro sonoro já existente para montar uma nova composição). A ideia foi  criada como estratégia para tentar dar conta de uma proposta estética e formal no cinema onde prevalece uma constante experiência de repetição, reenquadramento, associação e desassociação entre materiais distintos e elementos de ordens conflitantes. A apropriação do termo da teoria musical é um dispositivo para pensar um cinema complexo, que se fundamenta no Hip-Hop como música e estilo de vida. Lincoln sampleia desde cenas de seriados encontradas no YouTube, até imagens descobertas em cartões de memória de câmeras e celulares roubados, como acontece em Filme dos Outros (2014). Entendemos o cine-sample como um núcleo atemporal e como ferramenta de visionamento para esquecer as cartilhas sobre os cinemas de quebrada e ouvir o que esses filmes têm a dizer. 

Intitulado “O cine-sample de Lincoln Péricles”, o dossiê irá reunir um conjunto de textos da equipe da Revista Descompasso e de convidados, bem como um vídeo-ensaio que reúne e tensiona as obras de Lincoln. Partimos da ideia de cine-sample como uma aposta para, inclusive, encontrar outras possibilidades de diálogo e aproximação com esses filmes. Uma estratégia que, assim como a nossa proposição central enquanto revista, busca encontrar em outras manifestações artísticas novas possibilidades de leitura cinematográfica. O nosso objetivo, ao passarmos por quase toda a filmografia de Lincoln, é construir um registro histórico e experimental sobre a estética e os métodos formais de um dos cineastas mais interessantes do nosso tempo. Perpetuar, no presente, a memória de um cineasta em constante movimento; vivão e vivendo.

Por Ana Júlia Silvino, Egberto Santana e Renan Eduardo

Clique nos títulos abaixo para acessar os materiais que compõem esse editorial.

Sonho de criança (vídeo-ensaio) por Rodrigo Cauhi

Desmoronar a forma: notas sobre Carta de interesse e Entrevista com as coisas por Rubens Fabricio Anzolin

Sample é abordagem por Lucas Honorato

cinema, artigo 157: uma reflexão sobre Filme dos Outros por Ana Júlia Silvino

Voz e vazio: poéticas da não-presença por Renan Eduardo

Por que a gente tá fazendo esse filme?: ensaiando o absurdo em Filme de Aborto por Larissa Muniz

O trabalho enobrece o homem: indagações sobre a dança da repetição por Nina Camurça

A graça de uma infidelidade astuta por Clara Pellegrini

Por um cinema pedreiro por Lincoln Péricles

Geometrias do espaço: o comum na Cohab por Renan Eduardo

Tecendo memórias entre brincadeiras e concreto por Iara Letícia

As Dudas de niLL e Lincoln: explorando os elos entre Regina e Filme de Domingo por Egberto Santana

As armadilhas e prazeres de se deixar ser guiado ou Lincoln Péricles nunca me contou uma mentira que não fosse verdade por Maria Sucar

Autor

  • Revista Descompasso

    A Descompasso foi criada em agosto de 2023 com o objetivo de ser um veículo independente de exercício, prática e expressão da escrita crítica sobre o cinema, a música e outras manifestações artísticas.

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